Compreendendo a Família Atual

No decorrer da história a família foi sofrendo transformações em seus modelos vividos. A saída da mulher do lar, para ingressar no mercado de trabalho, dividindo com o homem o papel de provedora de bens e educadora dos filhos, aponta para as transformações das relações da família para forma “igualitárias”. Com isto, surgem nas relações familiares inúmeros conflitos entre a autoridade patriarcal e os modelos igualitários liberais. O modelo advindo da família burguesa ainda mantém sua força e vigência sobre seus membros. Um pretende impor sua vontade sobre o outro. Inúmeros questionamentos surgem no contexto familiar, como os aspectos voltados para a educação dos filhos; as incertezas aumentam, dando vazão a sentimentos de insegurança, como o estabelecimento de limites. O sentimento de culpa ocasionado pelo possível cumprimento e/ou transgressão de normas é introjetado no meio da família. (TEIXEIRA, 1996). Além de passar por todas estas transformações, a família ainda tem de passar pela adaptação constante da situação socioeconômica, que sofreu nos últimos tempos mudanças significativas, influenciando a qualidade de vida desses indivíduos. O que se observa é que a família brasileira tem passado por diversas mudanças no seu processo de modernização. Desta forma, a FAMÍLIA NUCLEAR foi ganhando importância nesse processo de mudança, reforçando a ideologia da igualdade entre as pessoas (direitos para todos). Todavia, percebe-se uma diversidade de arranjos domésticos e familiares para viver em família, os sentimentos familiares existentes reforçam seus laços. E os modelos familiares vigentes atualmente? Relembrando: o surgimento da família moderna se deu a partir da família burguesa, grande estrela da sociedade capitalista. POSTER (1979) coloca que a família burguesa mantinha um sólido vínculo afetivo entre seus membros (pai-mãe-filhos); os papéis eram claramente definidos: o pai sustentava a casa, supria as necessidades materiais (mundo externo), a mãe cuidava da casa e da educação dos filhos, tentava suprir em todos os sentidos as necessidades físicas e emocionais de seus componentes (mundo interno), os filhos eram obedientes e estudiosos. Com o avanço tecnológico, com a inclusão da mulher no mercado de trabalho, e outras transformações aqui já descritas, a família burguesa sofre alterações significativas no seu modo de viver. Mesmo assim este novo modo de viver acaba ressaltando a família nuclear (nós) e os (outros) de toda a sociedade. A luta para manter os valores, padrões e sentimentos intocáveis nesse modelo burguês de estrutura familiar é perpetuado. Nessa família nuclear burguesa, tudo deveria ocorrer na mais perfeita harmonia, todas as necessidades deveriam ser supridas no seu meio, a casa seria um refúgio (lar, doce lar!). É nesse contexto que o provérbio “roupa suja se lava em casa” ganha força e poder; é necessário manter as aparências de felicidade e realização para manter-se fiel à ideologia burguesa. A família nuclear burguesa predomina nossa sociedade, seja como prática assumida na classe média, seja como um sonho, o ideal para as classes populares. As pesquisas de GOMES SZYMANSKI (1992) com as famílias da periferia de São Paulo nos auxiliaram na compreensão desses modelos de família atual. Ela apresenta um conceito surgido das análises de observação e depoimentos de seus participantes: família pensada e família vivida. Nas pesquisas realizadas, a autora notou que as pessoas falaram da vida da sua família como se a estivessem comparando com alguma outra família. Esta parecia ser a certa, a boa, a desejável; a família em que vivia era diferente. Para encaixar-se nessa família boa, certa (a autora chamou-a de FAMÍLIA PENSADA), essas famílias faziam de tudo: malabarismos, encenações, mas dificuldades econômicas e outros improvisos eram muitos, levando-as a afastar-se deste modelo tão almejado. Ambos viviam o que lhes era permitido viver (ela chamou este modelo de FAMÍLIA VIVIDA).

Tentaremos esclarecer melhor estes modelos de GOMES SZYMANSKI (1992)

FAMÍLIA PENSADA

Neste modelo de família as relações interpessoais ocorrem de forma harmoniosa. Seus membros executam o papel

Profa. Lucimara Maia

http://lucimaramaia.com.br Fornecido por Joomla! Produzido em: 23 April, 2013, 13:47esperado. Pai, provedor de recurso material; mãe só cuida dos filhos e do lar; filhos, comportados, obedientes e estudiosos. As famílias que o adotam passam pelo controle do grupo social que as pressionou a adotar um modelo.

Seguir este modelo é agir de forma coerente, é preservar socialmente a imagem de quem o vive. Muitas vezes as expectativas de um para com o outro não são atingidas, os atritos têm como referencial o modelo e não as pessoas: eu e o outro. A sensação que fica entre ambas é de que “o errado sou eu”, se não estiver vivendo o modelo pensado. Não observa que estamos querendo viver a todo custo esse modelo pensado. (GOMES SZYMANSKI, 1992). Muitas famílias não vivem sob o modelo pensado. Mas, o que temos que observar é que não só recebemos o modelo da sociedade, mas que este também é formado no decorrer da nossa vida em família. As expectativas, regras, crenças e valores que cada um traz para dentro da família, quando a está constituindo, vão aos poucos construindo novas culturas familiares. A história de vida de cada pessoa leva-a a encarar a si, aos outros e ao mundo de forma única; o que ocorre numa família atinge de certa forma a todos os seus membros, mas de maneira diferente de uma para outra. Pode-se começar uma nova família com a proposta de colocar este modelo em funcionamento, como se fosse o único certo nas adaptações das diferentes circunstâncias. Conforme as possibilidades que a família vai vivendo vem a sensação de que “se eu pudesse tudo seria diferente”, se as coisas tivessem seguido um rumo diferente, minha família seria igual ao modelo que eu imagino, que “os outros” vivem. No caso de famílias da periferia, esses “outros” seriam os “ricos”. (GOMESSZYMANSKI, 1992, p. 16). A autora conclui que podemos, sim, escolher um caminho de vida, que é diferente daquele proposto pelo modelo pensado, estaríamos criando uma condição nova de viver, o que pode vir a se tornar um novo modelo pensado. {mospagebreak title=Família Vivída}

FAMÍLIA VIVIDA

Nesta família encontraremos o agir concreto do cotidiano, que poderá ou não estar de acordo com a família pensada.

Esta família se manifesta como uma solução, isto é, como caminhos possíveis que podem ser adotados frente às situações diferentes que surgem no seu cotidiano. A autora lembra que quando um casal resolve casar, ambos entram na relação para formar uma família com duas ou três propostas de família pensada. Ao confrontá-la no cotidiano, depara-se com inúmeras dificuldades que podem ser de ordem econômica, geográfica, habitacional, hábitos de convivência diferentes, entre outros. E é aí que se iniciam os

arranjos, as manobras, vão sendo adotados modos de agir que se cristalizam num viver que, na maioria das vezes, afasta-se do modelo pensado. Com isto, vive-se a nostalgia de um modelo pensado irrealizado e irrealizável, quando não se aceitam as soluções encontradas como possíveis escolhas feitas segundo as possibilidades e os limites do momento. (GOMES SZYMANSKI, 1992). Toda interpretação que se dá às relações e situações ocorridas numa família passam a ser elaboradas tendo por base este contexto da estrutura proposta (família pensada). Quando a família se afasta desta estrutura do modelo ela é considerada “desestruturada ou incompleta”, é responsabilizada por problemas emocionais, desvios de comportamento e pelo próprio fracasso escolar da criança. Isto nos leva a perceber que o foco está na estrutura da família e não na qualidade das inter-relações. (SZYMANSKI, 1995, p. 23-25). Com isto, o modelo de família pensada que incorporamos é o da família nuclear burguesa, onde os papéis sociais estão bem definidos e cujas soluções dos problemas e dificuldades são dadas pela cultura vigente. A família que possui um membro portador da Síndrome de Autismo, é percebida por alguns profissionais e alguns membros da sociedade como desestruturada. Sabemos, de antemão, que um membro portador de Síndrome de Autismo numa família exige dela um adaptar-se à nova condição que enfrentarão dali para a frente, mas isto não quer dizer que ela é desestruturada, desorganizada ou incompleta. A nossa postura e atitude frente a ela estará alicerçada na concepção que temos de família. É observado que algumas famílias que possuem um membro portador de autismo e até mesmo as famílias que não possuem, mas vivenciam outros lutos, sofrem a nostalgia do distanciamento do “modelo pensado”; vivem culpabilizando-se por esta nova realidade enfrentada, ou buscam incessantemente culpados. Não conseguem perceber que o “modelo

vivido atualmente” pode ser transformado em um “novo modelo pensado de família”, podem buscar soluções benéficas e possíveis neste novo modelo. Nesta concepção pode-se concluir que conforme o significado que se atribui a uma situação são as ações que decorrem dela como resposta. De fato, percebe-se que a ideologia, através dos meios de comunicação, penetra nos lares reforçando padrões do “modelo de família pensada”. Os padrões de perfeição, beleza, felicidade, são perpetuados e transformados em ações práticas que, inconscientemente, adotamos para com os membros de nossa família, com amigos, no trabalho, enfim, no meio em que circulamos. São imagens e slogans como este, passados pela mídia, que padronizamos: “o mundo trata bem quem se veste bem – use jeans” (todos temos que ser iguais para sermos bem tratados); “as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental” produtos de beleza (se você não tiver um padrão de beleza, fecham-se as possibilidades de

Profa. Lucimara Maia

http://lucimaramaia.com.br Fornecido por Joomla! Produzido em: 23 April, 2013, 13:47sucesso); “pessoas inteligentes têm algo em comum” – fumam o mesmo cigarro (temos que ser igual ao que postula o senso comum, assim seremos respeitados e inteligentes); sem falar nas demonstrações de famílias felizes, que esbanjam beleza, riqueza e boa nutrição nas propagandas, da mídia, de alimentos. Quem não quer demonstrar ou viver uma realidade destas? Beleza, riqueza, perfeição, felicidade plena? Como fugir da nostalgia advinda desta realidade tão distante? Como evitar que a frustração deste modelo perdido permeie de forma negativa nossa atuação com o outro?

Como administrar o “modelo vivido”, sem deixar que o “modelo pensado” se sobreponha na nossa atuação profissional?

Isto é possível?

Penso que é possível mudar este quadro, compreendendo as relações que permeiam a família na sua subjetividade, buscando elaborar possíveis leituras para desvendá-las, incluindo-se como sujeito participante nesta busca. Como profissionais, temos compromisso com os educandos e suas famílias. Temos que administrar primeiramente nossos conflitos e buscas internas para podermos, posteriormente, estabelecer um elo de reciprocidade e empatia com as famílias. Acredito que, se compreendermos a família, as estruturas do cotidiano e as relações de poder que permeiam na escola, poderemos mudar de atitude frente às famílias com as quais atuamos, oportunizando-as a elaborar uma parceria conjunta com a escola.

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